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#ColunaDaLei o novo contrato de trabalho intermitente: o que muda e qual a viabilidade para o empregador?

14/06/2019 14/06/2019

Demanda recorrente dos gestores de Recursos Humanos do segmento empresarial diz respeito a viabilidade, fática e jurídica, da utilização da novel modalidade de contratação de trabalhadores denominada “intermitente”.

Com o advento da Lei n. 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, uma série de alterações e inovações foram introduzidas no texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo uma dessas novidades a previsão do “contrato de trabalho intermitente”.


No aspecto, o artigo 443, §3º, da CLT, conceitua a nova figura contratual como sendo “o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”.


Em suma: o contrato de trabalho intermitente é caracterizado pela ausência de jornadas fixas e regulares, existindo a possibilidade de o empregador convocar o trabalhado conforme a necessidade da empresa, assim como havendo a liberdade para o obreiro aceitar ou não a convocação.


Trata-se, pois, do tema mais nebuloso e polêmico da alteração legislativa laboral. Nesse viés, o contrato de trabalho intermitente gera uma dualidade de opiniões: para os defensores, o novo instrumento contratual viabilizaria a criação em massa de postos de trabalho; oportunizaria o chamado “primeiro emprego”, em especial para estudantes que passariam a deter condições de adequar e compatibilizar a prestação de serviços e os estudos; contribuiria para a redução da rotatividade; fomentaria a inclusão de jovens, mulheres e idosos ao mercado de trabalho, eis que essa parcela da população possui maiores dificuldades de cumprir jornada laboral ordinária de 8 (oito) horas, sendo a intermitência essencial nesse aspecto; ainda, entendem que viabilizaria, ao trabalhador, a manutenção de vários contratos de trabalho intermitente ao mesmo tempo, podendo o profissional aceitar a oferta de trabalho que melhor se adequasse aos seus horários e necessidades. Por fim, alegam que a nova modalidade de contratação incrementaria as arrecadações fiscais, previdenciárias e sociais.

Em sentido oposto, os contrários ao novo modelo entendem que o instrumento contratual intermitente é a face mais cristalina da precarização do trabalho. Sustentam que é manifesta a violação aos direitos constitucionais, em especial dos princípios que outorgam proteção ao trabalho, à garantia do salário mínimo e à dignidade da pessoa humana. Afirmam que o trabalhador intermitente inevitavelmente conviverá, no período de inatividade, com a angústia ocasionada a partir da incerteza se haverá ou não novo chamado para prestação de serviços e, por via de consequência, aflição por não ter condições de saber se terá renda suficiente para arcar com as suas despesas básicas; Asseveram que o trabalhador intermitente poderá ser alijado da aposentadoria, vez que, ocorrendo a hipótese fática de ficar meses sem trabalhar ante à falta de convocação pelo empregador, o resultado seria a ausência de contribuições no período e o consequente reflexo futuro para obter o benefício previdenciário.

 
No campo do momento histórico e da conveniência, o surgimento desta nova modalidade de contratação de trabalhadores é resultado da substancial alteração do cenário atual do mercado de trabalho em relação a décadas passadas. Atualmente, observa-se um constante e significativo aumento do número de pessoas economicamente ativas que não possuem interesse em vincular-se ao empregador nos
moldes do clássico contrato de trabalho (carga horária semanal definida, salário mensal e inviabilidade fática de prestação de serviços para mais de um empregador), preferindo, a despeito disso, trabalhar para diversos empregadores, com jornada de trabalho flexível e remuneração variável, proporcional às horas trabalhadas.


Em sentido semelhante, o cenário econômico atual também exige criatividade do empregador, em especial face a imprevisibilidade e sazonalidade da demanda de consumo. Logo, a flexibilização da legislação no sentido de permitir a contratação de trabalhadores com base na demanda da empresa também é vista com bons olhos.

Superadas as linhas introdutórias sobre o instituto, cumpre seja enfrentado o objeto do presente artigo, qual seja, analisar se é viável ou não a utilização do contrato intermitente e quais os benefícios ou riscos que poderão exsurgir a partir dessa utilização, notadamente no que concerne aos interesses do empregador, foco desta análise.

Inicialmente, o primeiro e considerável risco a ser sopesado se insere no bojo da evidente alteração de paradigma. Explica-se: historicamente, o direito do trabalho objetiva, tanto no campo teórico como no prático, conferir a máxima proteção possível ao trabalhador, o qual, inclusive, é caracterizado como hipossuficiente na relação estabelecida com o capital, leia-se, empregador. Em outras palavras: parte-se de uma ideia de “não igualdade” de condições e de forças entre os atores da relação contratual, fato que ensejaria o reequilíbrio a partir da atuação protetiva do estado em proveito da parte mais fraca, o trabalhador. Ocorre que, ao que tudo indica, as diretrizes estabelecidas pelo contrato intermitente diminuem significativamente o espectro protetivo, hipótese que faz surgir, portanto, o primeiro grande risco ao empregador que optar por fazer uso dessa novel modalidade de contratação: a validação do instituto (contrato de trabalho intermitente) pelo Judiciário Trabalhista e pela própria Corte Constitucional.


No aspecto, imperioso registrar que por ocasião da realização da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada no ano de 2017, e XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – CONAMAT, realizado em 2018, ambos organizados pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, restou aprovado o enunciado “74”, que prevê a inconstitucionalidade do regime de trabalho
intermitente. Transcreve-se a íntegra do aludido enunciado:

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: SALÁRIO MÍNIMO
A proteção jurídica do salário mínimo, consagrada no art. 7º, VII, da Constituição da República, alcança os trabalhadores em regime de trabalho intermitente, previsto nos arts. 443, § 3º, e 452-A da CLT, aos quais é também assegurado o direito à retribuição mínima mensal, independentemente da quantidade de dias em que forem convocados para trabalhar, respeitado o salário mínimo profissional, o salário normativo, o salário convencional ou o piso regional.

Neste contexto, além do questionamento envolvendo a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, outras situações pontuais abarcando a aplicação da nova modalidade contratual no cotidiano da empresa podem ser objeto de problemas futuros.

Cite-se, neste particular, transparecer inequívoco que o contrato de trabalho intermitente não pode ser utilizado para atividades rotineiras e cotidianas da empresa. Isto porque, para ser considerado intermitente, o trabalho deve ocorrer mediante subordinação e descontinuidade, havendo alternância de período de efetiva prestação de serviços e de períodos não trabalhados. Ora, se determinada empresa necessita de trabalhadores “extras” para atender ao aumento da demanda aos sábados e domingos, como é o caso, por exemplo, do segmento da gastronomia, poderia ela (a empresa) se valer da contratação na modalidade intermitente para suprir essa necessidade? Entendemos que
não. Isto porque, no caso do exemplo em liça, a periodicidade é pré-definida (dois dias na semana – sábado e domingo) e a atividade é contínua e permanente, ou seja, não é intermitente, posto que o aumento da demanda e a necessidade de convocação de trabalhadores “extras” ocorre sempre aos finais de semana, invariavelmente.

Diante disto, ao nosso sentir, se faz necessária uma análise pormenorizada sobre a real condição de intermitência da atividade para que se possa fazer uso desta nova modalidade de contratação mediante redução de riscos. Explica-se: para empresas que atuam no segmento de eventos, por exemplo, poder-se-ia cogitar a utilização do contrato de trabalho intermitente, posto que não há, salvo melhor juízo, periodicidade pré-definida. Ou seja, é normal que haja intermitência e variação de datas em relação à realização dos eventos. Já no caso envolvendo empresas de gastronomia, em especial restaurantes, o fato de ocorrer habitualidade no incremento da demanda aos sábados e domingos torna a atividade contínua e permanente, afastando qualquer possibilidade de intermitência, ensejando acentuado risco caso haja a utilização da modalidade intermitente de contratação.


Outro problema que se visualiza envolvendo o contrato de trabalho intermitente é quanto a proteção constitucional conferida ao salário mínimo. Isso porque existe discussão junto aos operadores do direito sobre a constitucionalidade de normas jurídicas que prevejam o pagamento de salário inferior ao mínimo legal, ainda que com base na proporcionalidade da jornada a tempo parcial ou pagamento de salário mínimo com base nas horas trabalhadas, como é o caso do intermitente. No direito brasileiro, a remuneração obedece a regra do tempo à disposição. Ainda que não haja serviço, se a empresa contratou o trabalhador é devida a remuneração integral do salário. A própria CLT prevê remuneração para o tempo à disposição em algumas profissões, como no caso do caminhoneiro que necessita aguardar o descarregamento da carga. Já o intermitente contraria essa lógica, eis que não faz jus a qualquer remuneração no período de inatividade, ainda que vinculado ao empregador e aguardando ser convocado. Nesse viés, a insegurança jurídica, por si só, recomenda cautela na contratação de modalidades que possam vir a causar prejuízo futuro, razão pela qual não há como deixar de inserir a figura do intermitente no contexto do risco considerável.


Outra dúvida que tem demandado análise da doutrina e dos juristas diz respeito às férias do trabalhador intermitente. Isto porque, como o contrato de trabalho intermitente permite a multiplicidade de empregadores, tem-se como improvável a viabilização de um período comum de férias envolvendo todos os empregadores ao mesmo tempo. Logo, outra garantia constitucional restaria inobservada para este tipo de profissional, gerando reflexos diretos em uma série de direitos e garantias fundamentais, como por exemplo a dignidade da pessoa humana, viabilizando a intervenção de órgãos administrativos ou do próprio Poder Judiciário mediante provocação.

Questão que igualmente enseja esclarecimentos diz respeito ao acidente de trabalho atípico (doenças ocupacionais). Tal se deve porque a lei, salvo melhor juízo, não previu de quem seria a responsabilidade pela emissão do Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT, tampouco definiu a distribuição das responsabilidades nas hipóteses em que o trabalhador intermitente esteja vinculado a múltiplos empregadores. Diante deste hipotético cenário, questiona-se quais os efeitos de eventual demanda judicial que objetive a reintegração do trabalhador ao emprego? Todos os empregadores terão de cumprir a ordem? Sobrevindo ou permanecendo sequelas, todos os empregadores deverão adequar o posto de trabalho mediante disponibilização de função compatível com a limitação do trabalhador intermitente? E se restar definida a responsabilidade exclusiva de determinado empregador pelo acidente típico de trabalho, haverá estabilidade ou garantia de emprego para o intermitente também em relação aos demais empregadores que não são responsáveis pelo infortúnio? Todas essas questões nebulosas ainda não encontram respostas sedimentadas na doutrina e na jurisprudência, fato que enseja a tão temida insegurança jurídica.

Com base no exposto, tem-se que o contrato de trabalho intermitente demanda máxima cautela na sua utilização, devendo ser manejado apenas de forma excepcional, observada a natureza intermitente da atividade e o regramento previsto no artigo 452 – A e parágrafos seguintes, da CLT, dispositivo legal que prevê, dentre outros requisitos, a necessidade de celebração da contratação por escrito, devendo conter o valor da hora de trabalho que não poderá ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não; a necessidade de convocação do trabalhador por qualquer meio de comunicação eficaz para a prestação de serviço, com informação sobre a jornada a ser prestada, e com pelo menos três dias de antecedência; o pagamento ao trabalhador, mediante recibo discriminado e após o término de cada período de trabalho, dos valores relativos à remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional repouso semanal remunerado e acréscimos legais; recolhimento e depósito, pelo empregador, respectivamente da contribuição previdenciária e do Fundo de Garantia, na forma da lei, mediante fornecimento de comprovante do cumprimento da obrigação ao funcionário; e a concessão de férias remuneradas ao funcionário, após 12 (doze) meses de prestação de serviços, sem que haja convocação no período de descanso.


Como conclusão, à título de cautela, entendemos não ser recomendável para o segmento empresarial a utilização do contrato de trabalho intermitente nesse período ainda incipiente de vigência da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Os fundamentos para a não utilização passam, em especial, pela insegurança jurídica resultante da ausência de apreciação da legalidade / constitucionalidade do instituto, até o presente momento, pelo Judiciário, notadamente face ao conflito que envolve às aparentes alterações paradigmáticas que revestem e caracterizam a nova modalidade de contratação intermitente de trabalhadores (diminuição do espectro protetivo), e a questão principiológica que historicamente embasa a atuação desse mesmo Judiciário, calcado na máxima proteção ao trabalhador e na obrigatoriedade de interpretação da norma com base no princípio do “in dubio pro operario” sempre que se deparar com dúvida acerca da aplicação da lei ou da norma jurídica.