A proteção da empresa frente ao abuso no direito de reclamação do cliente / consumidor via redes sociais | Blog - ATF - Aguiar Toledo & Frantz

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A proteção da empresa frente ao abuso no direito de reclamação do cliente / consumidor via redes sociais

11/05/2020 11/05/2020

A pandemia causada pelo COVID-19 gerou alterações significativas para a sociedade nas suas mais variadas nuances. No âmbito das relações jurídicas e contratuais que envolvem empresa (fornecedora de produtos ou serviços) e cliente (consumidor), não poderia ser diferente. A partir do avanço do vírus em território nacional e, sobretudo, após as medidas restritivas impostas pelas autoridades públicas com o intuito de conter o avanço da doença – em especial o distanciamento social e a interrupção das atividades empresariais não essenciais – verificou-se, naturalmente, substancial agravamento da crise econômica que já assolava o país há alguns anos. 
    Nesse cenário, consequência lógica é a escassez de recursos em circulação, o que afeta a disponibilidade financeira das famílias, implica na queda dos indicadores de consumo e, igualmente, acaba por prejudicar o caixa das empresas, ocasionando retração da atividade produtiva. O panorama apresentado é propício para o surgimento de tensões entre empresa e cliente, notadamente quando há o descumprimento contratual por uma das partes. 
    Ocorre que o descumprimento contratual, em especial dentro do cenário atual de crise, por vezes não é originado a partir de uma conduta dolosa de uma das partes no intuito de auferir vantagem econômica indevida, mas sim pela impossibilidade de adimplir com a sua obrigação, seja pela indisponibilidade financeira ocasionada através da situação pandêmica, seja pela própria impossibilidade do exercício da atividade empresarial determinada pelas autoridades públicas. 
    Sem pretender o esgotar o campo de aplicação do cenário acima delineado, utilizamos como exemplo, sem olvidar a existência de inúmeras outras hipóteses, a situação envolvendo os segmentos dos salões de eventos (casas de festas) e restaurantes. Estes estabelecimentos, sobretudo os salões de eventos, trabalham mediante a realização de prévia reserva do espaço e do serviço a ser contratado. A dinâmica, portanto, exige naturalmente do cliente interessado a realização da contratação com considerável antecedência, sob pena de, em assim não fazendo, se deparar com a indisponibilidade do local e dos serviços para a data desejada. 
    No entanto, após a adoção de medidas extremas como a recomendação de isolamento social, a proibição de realização de eventos que pudessem ensejar a aglomeração de pessoas e, em especial, a determinação de interrupção das atividades não essenciais via decretos municipais e estaduais, estes segmentos empresariais (salões de eventos e restaurantes), foram obrigados a encerrar temporariamente as suas atividades. Com exceção de alguns restaurantes que, face características específicas, conseguiram viabilizar adequações para continuarem operando, tais como a implementação de mecanismos do tipo “take away” ou tele entrega, todos os demais, “da noite para o dia” viram as suas atividades sendo inviabilizadas pelo contexto da crise gerada pelo COVID-19, perdendo assim a totalidade de seus faturamentos. 
    A partir disso, inevitável o surgimento de problemas originados em razão da necessidade de cancelamento de contratos de prestação de serviços (locação de espaço, eventos, confraternizações, fornecimento de refeições, etc.). Ocorre que, com a impossibilidade de realização do objeto contratual da prestação de serviços entabulada, exsurge uma série de questionamentos entre as partes envolvidas. De um lado, o consumidor que teve o seu evento cancelado passa a exigir a devolução do recurso investido, não raras vezes de forma imediata e à vista. De outro, a empresa que foi impedida pelas autoridades públicas de prestar o serviço em razão do risco de contágio, além de suportar os prejuízos da impossibilidade de exercer as suas atividades rotineiras, vê-se compelida pelo cliente a devolver, de forma imediata e à vista, os recursos que outrora recebera de forma parcelada. Este cenário, caótico para o empreendedor, se apresenta ainda mais delicado na medida em que o requerimento de devolução imediata dos valores recebidos não se resume a um cliente, o que já poderia ser de difícil operacionalização, mas sim contempla uma coletividade de consumidores que haviam contratado os serviços e que não poderão usufruir daquilo que contrataram.        
    E é exatamente dentro do contexto do exemplo acima citado que se passou a observar, dentro do atual período de crise, uma exponencial elevação de um fenômeno que não é novo, porém tem ocasionado inúmeros transtornos para as empresas: reclamações de clientes / consumidores, não raras vezes agressivas, via redes sociais.  
    De início, imperioso registrar que o direito de reclamar ou emitir uma opinião é legítimo e juridicamente protegido, posto que amparado pelo princípio constitucional da liberdade de expressão e de pensamento, garantidos pela Constituição Federal no artigo 5º, incisos IV e IX. Em âmbito virtual, para além da garantia outorgada pela Constituição, a Lei n. 12.965/2014, denominada “Marco Civil da Internet”, responsável por disciplinar o uso da internet no Brasil, reafirma o direito à liberdade de expressão por meio do disposto no artigo 3º.   
    Por outro lado, a Constituição Federal também garante proteção e inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra e imagem das pessoas, assegurando o direito de reparação pelos danos causados em decorrência de eventual violação dessa garantia. 
    Com base nesse cenário, questiona-se: existe limite para a reclamação de consumidor nas redes sociais? A resposta é sim. Isso porque postagens utilizando-se a ferramenta da internet, sobretudo através de redes sociais, possuem a capacidade de alcançar um número indeterminado e significativo de pessoas, razão pela qual o conteúdo da mensagem pode, inclusive, macular a imagem e destruir a reputação de uma empresa. Logo, o ponto central reside na razoabilidade da manifestação. O consumidor, portanto, poderá externar a sua opinião ou insatisfação retratando a realidade dos fatos ocorridos e, essencialmente, desde que não ultrapasse o limite do seu direito e atinja a honra objetiva da empresa, ou seja, o bom nome, a imagem e a reputação da pessoa jurídica.     
    Nesse viés, postagens contendo afirmações falsas, injuriosas, difamatórias e caluniosas extrapolam os limites do direito de reclamação e da liberdade de expressão do consumidor, configurando verdadeiro abuso de direito, fato que enseja a responsabilização civil e criminal daquele ofensor que ultrapassou o limite definido pelo ordenamento jurídico.
    Importante lembrar que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral indenizável, conforme preconizam o artigo 52 do Código Civil, a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça e a jurisprudência pacífica dos Tribunais.   
    Diante do acima exposto, como deve proceder a empresa que tenha o seu nome inserido em uma postagem com caráter ofensivo?
  

 Diante de uma situação de opinião ou reclamação acompanhada de injusta agressão virtual, recomenda-se que a empresa adote as seguintes providências:

1) responder ao consumidor mediante a utilização de linguagem apropriada, razoável e equilibrada, se colocando à disposição para solucionar o problema ou impasse estabelecido e, imprescindivelmente, abstendo-se de proferir qualquer resposta igualmente agressiva que contenha evidente cunho retaliatório;

2) persistindo as injustas agressões por parte do cliente / consumidor, registrar todas as ofensas mediante a utilização de ferramentas aptas para tanto, tais como print screen da tela, fotografias, filmagens, gravações, etc.;

3) tratando-se de prova testemunhal, registrar o nome completo e endereço da pessoa que visualizou a agressão nas redes sociais para o fim de que se possa, no momento oportuno, postular-se o comparecimento da testemunha em juízo;

4) buscar auxílio de um advogado de confiança da empresa, especializado na matéria, para providenciar as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis. Recomenda-se ainda, observada a viabilidade financeira para tanto, que a empresa mantenha um Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, se possível terceirizado. Isso porque existem empresas que oferecem este serviço de forma profissional, com funcionários amplamente treinados e capacitados, diminuindo-se de forma relevante o risco de respostas inapropriadas que poderiam, ao fim e ao cabo, gerar a responsabilização da própria empresa pela eventual resposta desmedida. 

Como conclusão, tem-se por recomendável o acompanhamento das menções em relação à empresa na internet, sobretudo nas redes sociais e, identificada hipótese de injusta agressão capaz de macular o nome, a boa fama e a honra do empreendimento, sugere-se a avaliação sobre eventual adoção de medidas como a notificação extrajudicial em face do ofensor ou do site que hospede o fórum onde proferida a ofensa, ou ainda, em caso extremo, o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário para o fim de postular a retirada imediata das postagens ofensivas e a reparação dos danos materiais e morais causados pelo ofensor.    

Perguntas e respostas:

1) existe limite para a reclamação de consumidor nas redes sociais?
Sim. O consumidor possui o direito constitucional de externar opinião ou registrar uma reclamação diante de eventual insatisfação com a prestação de serviços ou com o produto adquirido. No entanto, este direito deverá ser realizado por meio de conduta razoável, mediante exposição da realidade dos fatos ocorridos, sem utilização de inverdades. Estão vedadas pelo ordenamento jurídico postagens que tenham o condão de atingir a honra objetiva da empresa, ou seja, que possam macular o bom nome, a imagem, a credibilidade e a reputação da pessoa jurídica. A conduta que extrapola o limite do direito de reclamação e da liberdade da expressão configura abuso de direito, podendo ensejar a responsabilização criminal e civil do ofensor.  

2) quais as medidas que poderão ser adotadas pela empresa que sofrer injusta agressão virtual de um cliente / consumidor? 
Recomenda-se, a priori, a tentativa de resolução pacífica do problema, utilizando-se de resposta no próprio fórum / veículo onde proferidas as ofensas, no entanto mediante a utilização de linguagem apropriada, técnica, razoável e equilibrada, objetivando a resolução do problema ou do impasse estabelecido, abstendo-se de proferir qualquer resposta igualmente agressiva que contenha evidente cunho retaliativo. Persistindo a injusta agressão do cliente / consumidor, sugere-se o registro das ofensas através de print screen da tela, fotografias, filmagens, gravações, etc., além da identificação de eventual testemunha, diligências necessárias para posterior instrução de demanda judicial para reparação dos danos. 

Autor:
Jonathan